martes, 31 de marzo de 2009

Tango

"O tango é o primeiro sorriso depois de atravessar um mar de lágrimas"
Escutei esta frase numa entrevista da TSF a Horácio Ferrer, poeta argentino e presidente da Academia do Tango de Buenos Aires, e escrevia-a no meu caderninho da época... entretanto o caderninho teve que ser substituído várias vezes, mas todos eles abrem com esta frase...
Também li ou ouvi algures que o tango é uma discussão de apaixonados sem palavras, ou talvez tenha sido eu a achar isso...

Gosto de tango porque sim.

Este tango ganhou um prémio no festival STOP Motion

lunes, 30 de marzo de 2009

Benfica

Verde. Verde por todo o lado.
Quase todos os verdes do mundo parecem ter marcado encontro por ali, àquela hora.
Escuta-se a água a cavar carreiros encosta abaixo e os pássaros que não identifico palrando indiferentes a mim.
Acordar assim deixa-me tonta... tanta pureza, tanta Natureza desordena-me o pensamento, como se tivesse bebido um balde de café.
Mesmo sem intenção, mesmo sem obedecer à ordem cerebral, começo a inspirar mais profundamente e dou-me conta disso e fico ainda mais tonta.
Como se perdesse o controlo... Tanta Natureza obriga-me a readaptar as minhas rotinas, mesmo as que não considero rotinas, e a questioná-las... a agir muito mais do que a pensar e eu sempre achei que preferia ao contrário, mas talvez assim seja mais libertador, mais compensador...

Fico desconfortavelmente comovida com o Benfica... persegue-me para todo o lado, pára quando paro e mira-me nos olhos, vence depressa a minha antipatia pelo nome que lhe deram, mendiga a minha companhia e agradece com um vagaroso movimento de pálpebras, se lhe afago o pêlo...
Conhecemo-nos há minutos e já somos cúmplices... Ele desconfia que não costumo estar muito à vontade com os da espécie dele, mas suspeita que eu não saberia resistir à meiguice de quem me segue sem se impor, de quem parece estar pronto a acompanhar-me só porque gosta de estar comigo...
Contaram-me a história deste Benfica: o dono, com quem dividia a casa, adoeceu de velhice e foi-se embora da aldeia. Foi para casa dos filhos em Lisboa e o Benfica não foi convidado... Ficou a guardar a casa na Malhada e vai comendo o que os poucos habitantes que como ele permanecem na aldeia lhe oferecem.
Parece triste o Benfica, ou sou eu que fico triste quando olho para ele. A Natureza já não o deixa tonto como me deixa a mim e parece importar-se pouco por estar rodeado de quase todos os verdes do mundo... Resiste numa aldeia camuflada pelo esquecimento dos que lá nasceram, dos que lá viveram e principalmente dos que, como eu, nunca a perceberam.

viernes, 27 de marzo de 2009

Depois da tempestade vem... o dia mundial do teatro


O Dia Mundial de Teatro é hoje, mas eu sou das que comemoro a véspera: fui ver a "Tempestade" do Shakespeare pela Cornucópia e saí de lá com vontade de ligar ao S. Pedro!!! (bem precisamos daqueles relâmpagos).
O texto é poético e filosófico, com passagens cheias de humor sobre as nossas fraquezas, sobre as falhas de carácter, sobre a redenção, sobre a capacidade de moralizar, sobre o poder, sobre o amor, sobre a amizade, sobre a vingança, sobre como libertar o espírito, sobre nós todos... e nós todos não éramos muito diferentes no início do século XVII, quando a peça foi escrita...
E amanhã é dia de ilusão

miércoles, 25 de marzo de 2009

Dias felizes

Vou escrever enquanto estou sob o efeito do Sol...
Uma das vantagens de não ter subsídio de Natal (leia-se: trabalhar a recibos verdes) é poder numa tarde soalheira como a de hoje ceder à preguiça e ir passear para a Baixa de Lisboa...
Ao contrário do Porto que é charmoso mesmo em dias de nevoeiro (fica mais medieval e misterioso...), Lisboa precisa de Sol, de luz para melhor se revelar...
Andei a vaguear pela cidade e hoje até nem reparei que a Baixa pombalina já precisava de um novo Marquês... estava quase perfeita... cheia de gente contente em várias línguas de contentamento, nas esplanadas, nas ruas, a fotografar monumentos e detalhes e sorrisos... estrangeiros a convencerem-nos de que temos tanta coisa boa e que pouco apreciamos... porque passamos tempo demais em casa, no trabalho, passamos tempo demais ao lado da vida e sem perceber que a vida nos anda a passar ao lado...
Ainda tentei recrutar outras alminhas para se juntarem a mim numa esplanada e aproveitar a cidade até ser noite... mas nem toda a gente se pode dar assim à má (boa) vida...
Apanhei o 28 e vim para casa. No eléctrico tive direito a lugar à janela, que estava toda aberta, escancarada para a vida...

PS: Paula, acho mesmo que deves imprimir e deixar cair acidentalmente o papelito! Anda por aí muuuuita gente distraída!!

Palpita-me que ainda te vou agradecer crise

Crise pode ser sinónimo de maior exigência. Pelo menos, deveria!
Crise é a oportunidade para separar o trigo do joio. Deveria!
Já não é tão fácil, nem tão inconsequente apostar nos assim assim e nos mauzitos. Agora parece desenhar-se o caminho dos bons... Se o país quer sair da crise não tem outra alternativa: optar pelos bons! Os empresários (os competentes), os que têm o poder de seleccionar equipas estão perante a evidência de que devem agarrar os melhores...
Concordo com o meu pai quando diz que estas alturas de crise dão mais oportunidades aos que têm mérito e perdoam menos os incompetentes...
Bem vistas as coisas a crise é mais justa... Estou optimista.

martes, 17 de marzo de 2009

Descomplicar é preciso

Na semana passada vi o "Happy go-lucky", ou "Um Dia de Cada Vez"do Mike Leigh. Que é como quem diz: isto (a vida) não é assim tão complicado, se nos esquecermos de complicar...
Gostei da mensagem!O mesmo parecem dizer estes senhores fotografados há uns anos (não sei por quem) durante as cheias do Ribatejo. Em vez de chorar sob as águas derramadas, toca a afogar as mágoas no abafadinho!!! Alguém me enviou esta foto e gostei logo dela pela mensagem de optimismo que deixa...

O que também me faz lembrar um dos slogans da Amnistia Internacional: "Mais vale acender uma vela do que mal dizer da escuridão"

viernes, 13 de marzo de 2009

O Teatr'UBI faz 20 aninhos e cinco deles também são meus!

A universidade foi assim um misto de euforia e de desilusão: tive poucos professores daqueles que nos dão a volta a cabeça, que nos obrigam a pensar e nos fazem levantar às sete da manhã com a certeza de que o sacrifício vale a pena porque o que vamos ouvir nas aulas, o que vamos discutir ultrapassa os livros e as fotocópias...
Tive muuuuuitos professores acetato, aqueles que pegam na cassete e no acetato e começam a despejar aquilo que despejam há anos e sempre da mesma maneira e estão pouco interessados em agitar as nossas cabecinhas, até porque as deles há muito que estagnaram no conforto do salário e das férias grandes!
A bem da verdade, a maioria dos meus colegas preferiam os professores acetato, mas talvez esteja a ser injusta!

Digamos que a minha passagem pela UBI foi sobretudo enriquecedora em termos humanos porque conheci alguns dos meus melhores amigos e muitos que já são só conhecidos. Apresentaram-me o país e a vida de outra forma... A maiata-matosinhense-portuense que chegou à Covilhã munida de blusão de penas (eu achava que ia mesmo nevar muitas vezes) convencida de que estava a aterrar atrás do sol posto, percebeu que na Covilhã cabia o país inteiro e foi sendo surprendida pelas diferenças gostosas de que é feito este Portugal: na minha terra diz-se estrujido, na minha faz-se refogado, eu uso carapins para dormir, as comidinhas da terra deste, os costumes da terra do outro, ...
Foram muitas jantaradas, muitas conversas de café, alguns pequenos-almoços antes de dormir... Foi também na Covilhã que mais e melhor cinema vi (obrigada Cineclube da Covilhã) e foi também lá que aprendi a apreciar teatro (uma cidade que nem é capital de distrito é sede de três companhias de teatro e oferece dois festivais anuais). Já para não falar do Ethnicu-Festival de Música Étnica, que infelizmente já não se faz.
Como eu tenho espírito de salta pocinhas e as aulinhas na universidade sabiam a pouco, fui experimentando um bocadinho de tudo: a primeira investida foi na tuna feminina As Moçoilas (fui a um ensaio no meu ano de caloira e percebi que a coisa não era bem o meu filme); depois inscrevi-me no inglês (foi com um inglês adoptado pela Covilhã que eu me preparei para o First Certificated); já no segundo ano entrei para a AISEC (associação de estudantes, sobretudo de economia e de gestão, que adoram siglas e gostam de brincar ao "vamos lá simular o mundo empresarial"), onde fiz parte do departamento de marketing e comunicação e saí ao fim de um anito; ainda no segundo ano participei no campeonato de futebol feminino do meu curso (fomos à final com o quinto ano e perdemos gloriosamente por penalties; foi também no segundo ano que conheci o Teatr'UBI... e dele só saí quando saí mesmo da Covilhã... Juntei-me ao grupo para trabalhar nos bastidores: fazer cenários e o que fosse preciso... A primeira coisa que foi preciso fazer foi o espectáculo de homenagem ao 25 de Abril e todos eram poucos para simular a revolução na Praça do Município: "é a revolução! é a revolução!" foram as primeiras palavras que disse ao serviço do Teatr'UBI (quando ainda não desconfiava que o grupo ia mesmo revolucionar a minha vida), vestida de operária fabril, enquanto distribuía panfletos pela população!
Na verdade, não disse muitas palavras mais porque me sentia melhor a interpretar movimento (a Dança é mais a minha praia). Uma vez, durante a leitura de poemas de Abril (a contribuição do Teatr'UBI para as comemorações da data no ano seguinte) fiquei mesmo sem palavras: esqueci-me da que terminava um dos versos do poema que estava a recitar - isto perante a praça cheia de gente! A sorte é que poucos estavam atentos à nossa performance!...
Depois disto e apesar de gostar muito dos ensaios e dos workshops, percebi que o meu "papel principal" era mesmo nos bastidores, na organização, e que no palco fazia melhor de figurante!
Mas não me esqueço das sensações: não me esqueço de quando alguém disse que o TeatroCine estava a abarrotar no dia em que íamos estrear o Hamlet; não me esqueço do que vi quando estava no palco a olhar para aquela plateia; não me esqueço da primeira "queimada" que bebi em Ourense com os Maricastaña, nem de lá cantar todos os anos o "Milho Verde"; não me esqueço do sabor da aguardente de ervas que bebíamos no bar do português, mesmo em frente ao belo teatro "à italiana" de Ourense, para aquecer a voz antes de entrar em cena; não me esqueço do ensaio corrido que fizemos durante a viagem de comboio (também) para Ourense; não me esqueço de que um dia saímos com foto de primeira página de um jornal galego (que a minha mãe mandou para o lixo, acidentalmente!!!!!!!!!!!!); não me esqueço do cartaz "a Técnica, o prazer de bem servir" que um dia caiu num final malandreco de "Os Mortos sem Sepultura"; não me esqueço de nos juntarmos na minha sala a fazer máscaras/alfinete em pasta de papel, que já eram a nossa imagem de marca e que oferecíamos a todos os que participavam no nosso festival; não me esqueço de "trabalhar" no bar do festival e de achar que atrás desse balcão (a minha mania dos bastidores) ainda nos divertia-mos mais porque eu dizia "mata" e o Sérgio respondia "esfola"!; não me esqueço das eternas discussões nas reuniões de segunda-feira entre pessoas que queriam mudar o mundo e que até o mudavam um bocadinho através do teatro; não me esqueço do prolongamento das reuniões na tasca Augusto com um bitoque XXL e vinho carrascão (deste, algo me diz que o meu fígado também não se esqueceu), que nos convencia que íamos mesmo mudar o mundo; não me esqueço do prolongamento do prolongamento das reuniões no Fora d'Horas, com alheiras às quatro da madrugada, a ouvir a banda sonora do "Underground" do Kusturica, perante os olhares da Dona Amélia reveladores de que até no Fora d'Horas já estavamos um bocadinho fora de horas; não me esqueço do Senhor Pinto, mais compincha, a servir-nos a derradeira rodada; não me esqueço dos abraçinhos e da corrente de energia que às vezes sentíamos porque estavamos a dar e a receber tanto e a crescer tanto...
Acabei o curso, mas continuei na Covilhã a trabalhar mais dois anos, em parte (ou sobretudo) porque me custava sair do Teatr'UBI e prescindir de tudo o que este grupo me estava a dar, porque o melhor da UBI, para mim, foi o Teatr'UBI!
O Teatr'UBI faz 20 aninhos e cinco deles também são meus!... e amanhã é dia de os reviver!

miércoles, 11 de marzo de 2009

Eu hei-de ir a Buenos Aires

Gostava de saber onde guardei a crónica que li do Miguel Sousa Tavares sobre Buenos Aires. Sei que a li há uns 15 anos, que me emocionou, que a recortei e guardei como a tantas outras, mas não a encontro. Acho que foi esse artigo que me fez substituir a obsessão por Praga pela obsessão por Buenos Aires! E uma obsessão não é lá coisa que se explique!

De todas as cidades que conheço e não conheço, elejo Buenos Aires. O Fervor de Buenos Aires de Jorge Luís Borges, o (meu) tango de Gardel e de Piazzola, a Buenos Aires de Júlio Cortázar (autor da obra que inspirou o Blow-up) e de outros que eu desconheço vem ter comigo ao CCB


viernes, 6 de marzo de 2009

Adelaide

Um dia perguntei-te se podia fazer-te uma entrevista sobre a tua vida. Despachaste-me com um “julgas que estou pra te aturar?!”. Tinhas sempre resposta prontinha “na ponta da língua”, mesmo quando só nos querias mandar “lamber sabão”. Não eras mulher de não dar troco: respostas às vezes lacónicas, outras amargas, outras bem-humoradas - que tu gostavas de conversas bem condimentadas e eras de raciocínio rápido.
Que interessante seria ter filmado essa entrevista para poder recordar e mostrar aos que não chegaram a tempo de conhecer esse teu lado mordaz, o teu lado sábio, o teu lado mais generoso e amigo e o outro mais sofrido, porque tiveste o teu período escuro, que muitas vezes (demasiadas) vi reviver nos teus olhos…
Eu não insisti, mas volta e meia pensava que tinha de te fazer essa entrevista e que um dia acabaria por te convencer… Afinal quantas coisas tem para contar alguém que nasceu em 1919, mesmo logo na ressaca da primeira guerra mundial, alguém que viu Salazar chegar ao poder e endoidecer, alguém que viu os soldados partir, a revolução dos cravos florir, alguém que viu as saias a subir e os decotes a descer e alguém que rezou tanto para eu nascer por achar que me ia perder mesmo antes de me conhecer…
E talvez fosse por aí que eu começasse a entrevista: afinal o que te deu avó para acreditares numa bruxa que disse que eu e a tua filha morreríamos durante o parto? Como se vive com essa angústia durante meses? Como se esconde essa angústia durante meses? Várias vezes me contaste essa história, mas sempre recordando o lado mais pitoresco de como a desgraçada da bruxa ficou com uma bela prenda em troca do serviço, felizmente defeituoso, de futurologia.
Tu também eras dada a futurologia, eras muito intuitiva, tinhas muitos “palpites” e até sabias quando o tempo ia mudar: os teus joelhos eram mais precisos do que a meteorologia.
E a tua imaginação era fértil, mesmo muito: era da tua boca e da do avô que eu ouvia as histórias de embalar… Bom, na verdade eram histórias de apaziguar, tentativa de impedir que eu e a minha prima guerreássemos por mais um centímetro de colchão antes de adormecer! E vocês não liam histórias. Nada disso! Eram inventadinhas na hora, “levantadas das unhas dos pés” como dizias…
Aliás dizias outras coisas muito engraçadas: “aqui há atrasado” quando querias falar do que já passou, “trinta por uma linha” e a melhor de todas: “levas já uma esquecida”, quando o tom era ameaçador e brincalhão…
Esse desembaraço verbal deve ter crescido nas calçadas da Ribeira de Miragaia, ou quando acompanhavas a tua mãe na venda de peixe porta-a-porta pelas casas mais abastadas do Porto, de outro Porto. Ninguém te enganava com o peixe, sabias sempre se era do dia, conseguias lê-lo nos olhos do animal. Conhecias todos os peixes pelo nome e sabias qual é que era para cozer e qual se deveria fritar e assar!
Que também eras boa cozinheira: fazias o melhor pastelão de broa e as melhores iscas do mundo, também nunca comi papas de serrabulho mais saborosas do que as tuas e poucas memórias olfactivas são tão presentes para mim como o cheiro a cominhos do teu arroz de feijão. Mas o teu ex-líbris era a “sopa de leite”, assim baptizada por ti. Encantou as sucessivas gerações de crianças que passaram pelos teus cuidados, antes e depois de percebermos que não levava leite!!! Muitas vezes era pela sopa de leite que eu começava o dia: hábito que cobiçava no avô, que gostava de a comer de pé e com garfo… Depois bebia-a, quando já só era “leite”! Continuo a gostar de comer sopa ao pequeno-almoço, embora à colher e sentadinha! E gosto de a comer fria no Verão…
E as tripas enfarinhadas quentinhas que íamos buscar à Bertinha todas as quintas-feiras de manhã… Às vezes duas vezes porque comíamos a primeira rodada antes de chegar a casa! E o segundo pequeno almoço que ias levar-me quentinho ao recreio… É certo que moravas a uns metros da escola e não percebias como eu era gozada por ser a única menina que comia pão com manteiga acabado de torrar e bebia leite com canela por uma chávena à hora do recreio! Ias tu e o Bolinhas, o único gato que foi um bocadinho meu e que me acompanhava para a escola e às vezes ia buscar-me quando saía…
Tu sempre gostaste de piqueniques ao pequeno-almoço: também o fizemos muitas vezes na Praia de Matosinhos, mesmo junto ao Paredão. Gostavas da praia muito cedo. Acho que gostavas mais do nevoeiro do que do sol… Lá íamos nós (de madrugada, achava eu) na camioneta munidos de farnel. Leia-se: garrafa térmica com cevada e leite e pãozinho fresco com manteiga. Regalávamo-nos com este manjar enrolados na toalha antes do sol chegar, mas com o mar à frente como consolo e a promessa de que passadas duas horas (na altura parecia que eram muitas mais) teríamos direito ao mergulho. E essa era a grande razão para se ir à praia (achava eu): furar as ondas e estar na água todo o tempo possível. Cada minuto a mais era arduamente negociado contigo!
Em casa, às vezes, eras companheira de brincadeiras: alinhavas connosco nas novelas! Fazias de governanta e servias a refeição onde nós achássemos que seria a sala de jantar ou o restaurante de fingir… quando estavas para aí virada porque quando não estavas mandavas-nos com o avô pastar as ovelhas… Eu gostava pouco porque tinha medo das marradas de algumas delas (nunca tive lá muito jeito para a pastorícia), mas lembro-me de aprender a desenhar no chão os números e as letras e de fazer as contas que o avô passava na terra com o cajado para nos entreter… outras vezes jogava à macaca connosco, que ele tinha genica suficiente para isso: fazia quilómetros em cima da bicicleta!
Nós também tivemos a fase das bicicletas: uma dor de cabeça para ti e muitas dores de joelhos para mim… Lá andavas tu a gritar por nós de vez em quando e a ralhares para não nos afastarmos das redondezas… Daquela vez que enfiei uma pedra pela carne do joelho dentro não sei se ficaste mais preocupada ou mais furiosa… Ainda tenho essa medalha de bom comportamento tatuada na pele.
Nos meus momentos mais ajuizados aproveitavas para me iniciar nas lides domésticas. Gostava particularmente de lavar roupa na tua pia. Aos sábados, a minha pia aumentava de tamanho: ia com a tia Alice (a minha avó dos sábados) para um grande tanque! Mexer com água e molhar-me até ao pescoço era sempre tentador… A minha mãe diz que água foi das primeiras palavras que aprendi: chamava-lhe baba quando a via a jorrar de cada vez que a minha mãe despejava a pia (numa leitura mais metafórica da coisa era quase de baba que se tratava).
Também tive a minha fase de jardineira que tu estimulavas com muito orgulho: atribuíste-me um metro quadrado de quintal e outro tanto à minha prima e ias orientando o processo. Chegámos a ter belos cactos (os que sobreviviam às regas), sardinheiras e muitas outras plantinhas que morriam de tanta remexida levarem, já que mudávamos a morada delas no mini jardim quase semanalmente!
Também deve ter sido contigo que comecei a gostar de futebol: eras muito aferroada pelo nosso FC Porto e grande admiradora do bi-bota de ouro Fernando Gomes. Já ao Pinto da Costa referias-te sempre como “trengo” ou “pantomineiro”!
Também falávamos de coisas mais sérias. Achavas que deverias fazer de mim “uma mulherzinha”. Lembro-me das conversas matinais que tínhamos quando me ias buscar a casa dos meus pais, nas semanas em que o meu pai trabalhava fora… Fazias-me “ver as coisas” fossem as coisas que fossem que me atormentassem na altura ou me fizessem atormentar os outros.
Mais tarde, tivemos conversas mais adultas. Contaste-me do teu amor destroçado de juventude e ensinaste-me que se segue sempre em frente, numa altura em que, pareces ter adivinhado, era isso que eu precisava ouvir…
Gostavas pouco de falar do teu passado, talvez porque o tinhas muito presente. Sei pouco da tua infância, que dizes ter sido feliz porque havia o que comer e o que vestir, apesar de teres perdido o teu pai cedo e teres mais cinco irmãos. Dizes que o pior veio depois e desse depois não quero eu aqui falar… Quando cheguei já tinha “passado o mau tempo” e contigo fui feliz e acho que comigo também foste…
Tenho saudades tuas e repito para mim que só podemos ter saudades de coisas boas e que, por isso, é bom ter saudades.

martes, 3 de marzo de 2009

Do que mais gostei foi da banda sonora!


Eu suspeitava que não ia perceber por que razão foi o "Slumdog Millionaire" que levou o óscar e não o "Benjamim Button"... Depois de ver o filme confirma-se: não percebo, ou antes, não concordo.

Não achei o filme mau de todo, achei só que era forçado, exagerado: não é credível aquela humilhação a que o apresentador do concurso sujeita o concorrente!

Recorrer à hipérbole com o propósito de sensibilizar o espectador e alertá-lo para a realidade (a da Índia) não pode ser a fórmula mais acertada, logo não deveria ser premiada...