A universidade foi assim um misto de euforia e de desilusão: tive poucos professores daqueles que nos dão a volta a cabeça, que nos obrigam a pensar e nos fazem levantar às sete da manhã com a certeza de que o sacrifício vale a pena porque o que vamos ouvir nas aulas, o que vamos discutir ultrapassa os livros e as fotocópias...
Tive muuuuuitos professores acetato, aqueles que pegam na cassete e no acetato e começam a despejar aquilo que despejam há anos e sempre da mesma maneira e estão pouco interessados em agitar as nossas cabecinhas, até porque as deles há muito que estagnaram no conforto do salário e das férias grandes!
A bem da verdade, a maioria dos meus colegas preferiam os professores acetato, mas talvez esteja a ser injusta!
Digamos que a minha passagem pela UBI foi sobretudo enriquecedora em termos humanos porque conheci alguns dos meus melhores amigos e muitos que já são só conhecidos. Apresentaram-me o país e a vida de outra forma... A maiata-matosinhense-portuense que chegou à Covilhã munida de blusão de penas (eu achava que ia mesmo nevar muitas vezes) convencida de que estava a aterrar atrás do sol posto, percebeu que na Covilhã cabia o país inteiro e foi sendo surprendida pelas diferenças gostosas de que é feito este Portugal: na minha terra diz-se estrujido, na minha faz-se refogado, eu uso carapins para dormir, as comidinhas da terra deste, os costumes da terra do outro, ...
Foram muitas jantaradas, muitas conversas de café, alguns pequenos-almoços antes de dormir... Foi também na Covilhã que mais e melhor cinema vi (obrigada Cineclube da Covilhã) e foi também lá que aprendi a apreciar teatro (uma cidade que nem é capital de distrito é sede de três companhias de teatro e oferece dois festivais anuais). Já para não falar do Ethnicu-Festival de Música Étnica, que infelizmente já não se faz.
Como eu tenho espírito de salta pocinhas e as aulinhas na universidade sabiam a pouco, fui experimentando um bocadinho de tudo: a primeira investida foi na tuna feminina As Moçoilas (fui a um ensaio no meu ano de caloira e percebi que a coisa não era bem o meu filme); depois inscrevi-me no inglês (foi com um inglês adoptado pela Covilhã que eu me preparei para o First Certificated); já no segundo ano entrei para a AISEC (associação de estudantes, sobretudo de economia e de gestão, que adoram siglas e gostam de brincar ao "vamos lá simular o mundo empresarial"), onde fiz parte do departamento de marketing e comunicação e saí ao fim de um anito; ainda no segundo ano participei no campeonato de futebol feminino do meu curso (fomos à final com o quinto ano e perdemos gloriosamente por penalties; foi também no segundo ano que conheci o Teatr'UBI... e dele só saí quando saí mesmo da Covilhã... Juntei-me ao grupo para trabalhar nos bastidores: fazer cenários e o que fosse preciso... A primeira coisa que foi preciso fazer foi o espectáculo de homenagem ao 25 de Abril e todos eram poucos para simular a revolução na Praça do Município: "é a revolução! é a revolução!" foram as primeiras palavras que disse ao serviço do Teatr'UBI (quando ainda não desconfiava que o grupo ia mesmo revolucionar a minha vida), vestida de operária fabril, enquanto distribuía panfletos pela população!
Na verdade, não disse muitas palavras mais porque me sentia melhor a interpretar movimento (a Dança é mais a minha praia). Uma vez, durante a leitura de poemas de Abril (a contribuição do Teatr'UBI para as comemorações da data no ano seguinte) fiquei mesmo sem palavras: esqueci-me da que terminava um dos versos do poema que estava a recitar - isto perante a praça cheia de gente! A sorte é que poucos estavam atentos à nossa performance!...
Depois disto e apesar de gostar muito dos ensaios e dos workshops, percebi que o meu "papel principal" era mesmo nos bastidores, na organização, e que no palco fazia melhor de figurante!
Mas não me esqueço das sensações: não me esqueço de quando alguém disse que o TeatroCine estava a abarrotar no dia em que íamos estrear o Hamlet; não me esqueço do que vi quando estava no palco a olhar para aquela plateia; não me esqueço da primeira "queimada" que bebi em Ourense com os Maricastaña, nem de lá cantar todos os anos o "Milho Verde"; não me esqueço do sabor da aguardente de ervas que bebíamos no bar do português, mesmo em frente ao belo teatro "à italiana" de Ourense, para aquecer a voz antes de entrar em cena; não me esqueço do ensaio corrido que fizemos durante a viagem de comboio (também) para Ourense; não me esqueço de que um dia saímos com foto de primeira página de um jornal galego (que a minha mãe mandou para o lixo, acidentalmente!!!!!!!!!!!!); não me esqueço do cartaz "a Técnica, o prazer de bem servir" que um dia caiu num final malandreco de "Os Mortos sem Sepultura"; não me esqueço de nos juntarmos na minha sala a fazer máscaras/alfinete em pasta de papel, que já eram a nossa imagem de marca e que oferecíamos a todos os que participavam no nosso festival; não me esqueço de "trabalhar" no bar do festival e de achar que atrás desse balcão (a minha mania dos bastidores) ainda nos divertia-mos mais porque eu dizia "mata" e o Sérgio respondia "esfola"!; não me esqueço das eternas discussões nas reuniões de segunda-feira entre pessoas que queriam mudar o mundo e que até o mudavam um bocadinho através do teatro; não me esqueço do prolongamento das reuniões na tasca Augusto com um bitoque XXL e vinho carrascão (deste, algo me diz que o meu fígado também não se esqueceu), que nos convencia que íamos mesmo mudar o mundo; não me esqueço do prolongamento do prolongamento das reuniões no Fora d'Horas, com alheiras às quatro da madrugada, a ouvir a banda sonora do "Underground" do Kusturica, perante os olhares da Dona Amélia reveladores de que até no Fora d'Horas já estavamos um bocadinho fora de horas; não me esqueço do Senhor Pinto, mais compincha, a servir-nos a derradeira rodada; não me esqueço dos abraçinhos e da corrente de energia que às vezes sentíamos porque estavamos a dar e a receber tanto e a crescer tanto...
Acabei o curso, mas continuei na Covilhã a trabalhar mais dois anos, em parte (ou sobretudo) porque me custava sair do Teatr'UBI e prescindir de tudo o que este grupo me estava a dar, porque o melhor da UBI, para mim, foi o Teatr'UBI!
O Teatr'UBI faz 20 aninhos e cinco deles também são meus!... e amanhã é dia de os reviver!
1 comentario:
Bons anos de "estudo", e nós cá em cima cheios de pena da menina que estava sozinha!!!!!!!!!
Aproveitas-te e gozas-te, fizes-te muito bem, continua assim.
beijinhos de admiração
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