Empurrei a porta, rodei a maçaneta e nada! Não cedia! O vidro era meio espelhado, daqueles que nos obrigam a esbugalhar os olhos para descobrir o que está do outro lado... Desta, como de outras vezes, corei assim que descobri que do outro lado havia mesmo gente, que sem qualquer esforço viam a minha figura!
Um cavalheiro resistiu à graça e veio em meu socorro. Perguntei-lhe se a cafetaria estava a funcionar, visto que me parecia uma reunião de staf... Não era e ele já não resistiu à troça. "Não sei, só vim abrir a porta", disse enquanto me piscava o olho. Percebi que havia gente a pedir ao balcão e entrei, agradecendo a "gentileza"...
Do outro lado do vidro não se via a escadaria que dava, aparentemente, para a zona de refeições. No piso térreo só havia duas mesas. Uma estava ocupada com o que julgara ser o staf e a outra passou a ser minha. Também não se ouvia do outro lado do vidro a voz aconchegante do Chico Buarque, com quem apetecia fazer coro.
As paredes eram pretas e altas. De uma delas sobressaiam utensílios de cozinha do IKEA, vermelhos e metalizados, numa lógica propositadamente caótica, desmascarada por um olhar mais atento.
A cafetaria estava alinhada com o lugar, provocava, pelo insólito, pela estética pensada, a combinar com o dress code dos clientes, que pareciam dizer: trabalhamos em empresas criativas, não andamos aqui pela indiferença e comunicámo-lo activamente.
Era assim o lugar, um parque de empresas voltadas para a criação, que se juntam mais ou menos aleatoriamente, ou talvez não, talvez por contágio... Mas não somos todos criativos, seja lá qual for o papel que desempenhamos? Pois, mas refiro-me aos convencionalmente criativos, o que até soa paradoxal.
Sentei-me. Faltava ainda uma hora para a minha reunião. Alinhavei a agenda, os papéis, pensei na nova semana que começara, organizei-a e organizei-me. Pensei que deveria fazer este exercício mais vezes. Senti-me pronta.
Não serviam à mesa. Pedi um café cheio ao balcão. Da coluna, ao lado da caixa registadora, cantava Caetano. "... eu aqui e ele lá..." O empregado colocou um pacote de açúcar no pires, enquanto esperava pelo cair do café. Eu ia dizer-lhe que tomava sem açúcar, mas reparei que era um pacote Nicola e não resisti à curiosidade. No pacote que me saiu lia-se "Um dia chove, no outro dia faz sol". Deleguei a sorte: deixei lá o pacote!
1 comentario:
Mary, Mary.
Deixas-me babada.
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