viernes, 23 de enero de 2009

O tabuleiro do monopólio já não é o mesmo!

A propósito da Rua da Flores e de urbanismo, aproveito para "reabilitar" um texto que escrevi no ano passado sobre reabilitação urbana. Foi publicado na revista Actualidad€

A oportunidade da reabilitação

O investimento médio europeu em reabilitação representa cerca de 36% do total do valor do mercado de construção. Em Portugal, a fatia é de 7,4%. Basta passear pelos centros urbanos de Lisboa e do Porto para perceber que há um potencial por explorar. Em jogo está a sustentabilidade das cidades e o travão da crise no sector de construção…

O protagonismo da Rua Augusta justificava um dos preços mais elevados na versão portuguesa do popular jogo de simulação de investimento imobiliário Monopólio. Com a entrada em circulação do euro foi feita uma nova versão, mas a moeda de transacção não foi a única alteração que sofreu o tabuleiro português do Monopólio. A Rua Augusta, que depois do Rossio era a zona mais valorizada, foi eliminada do jogo. O mesmo aconteceu com a também lisboeta Avenida Almirante Reis. O Monopólio é apenas um jogo, mas reflecte a realidade, que também tratou de desvalorizar zonas outrora nobres da cidade de Lisboa. A pedonal Rua Augusta chegou a ser uma das ruas mais caras e cobiçadas da capital. Hoje já não é assim e na rua convivem lojas antigas de prestígio, marcas internacionais de pronto-a-vestir, mas também espaços comerciais que descuidam o serviço e o produto, contribuindo para a desvalorização da zona. Por cima das lojas o cenário piora, com casas degradadas, ocupadas por escritórios, ou a funcionar como armazéns. Os moradores são raros na Rua Augusta, bem como nas restantes ruas da baixa lisboeta. Mesmo no Rossio contam-se pelos dedos os habitantes. Na Avenida Almirante Reis ainda vivem muitas pessoas, mas o estado de degradação de uma boa parte dos edifícios desencoraja potenciais novos moradores.
Se viajarmos até ao centro da cidade do Porto, o panorama é semelhante. Em ambos os casos estamos a falar de prédios muito antigos e degradados (grande parte deles devolutos), de escasso estacionamento, de dificuldades de mobilidade e de debilidade do tecido económico e social local. Perante esta conjuntura, percebe-se que falar de reabilitação urbana não é falar de reabilitação de edifícios, mas de quarteirões inteiros, atendendo a todos estes problemas.
O fenómeno do empobrecimento do tecido urbano central e a migração da população para a periferia das grandes cidades não é novo. A factura a pagar é a desvalorização do património arquitectónico e histórico, a deterioração do edificado, a insegurança e a proliferação de actividades marginais e precárias. Cidades como Londres, Madrid ou Barcelona já passaram pelo mesmo, mas conseguiram dar a volta por cima. Portugal só agora está a meter mãos à obra.
António Manzoni, director do departamento de economia da Associação Nacional de Empreiteiros e Obras Públicas (ANEOP) chama a atenção para as diferentes conjunturas: “A evolução da economia portuguesa nos últimos seis anos foi completamente diferente da espanhola. A actividade do sector de construção sofreu uma quebra recorde de 25%, numa altura em que se registou uma fase de expansão em Espanha, alicerçada na valorização dos preços.”

114 mil casas muito degradadas
A julgar pelo Censos de 2001, existem em Portugal 1,13 milhões de fogos a precisar de pequenas reparações, 470 mil a precisar de reparações médias, 211 mil de grandes reparações e 114 mil muito degradados. “Ao ritmo a que estamos a reabilitar, seriam necessários 28 anos para responder às necessidades”, conclui António Mazoni. O economista recorda que “o mercado da construção deverá movimentar 4,7 mil milhões de euros, sendo 936 milhões de euros oriundos da reabilitação”.
De acordo com Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), “a realidade retratada no Censos possivelmente agravou-se, porque o ritmo de reabilitação urbana tem sido baixo e o processo de degradação mantém-se com o decurso do tempo”. Para Reis Campos a situação crítica em que se encontram os centros urbanos justificaria elevar a reabilitação “ao estatuto de prioridade nacional e municipal”. O presidente da AICCOPN argumenta que “tem faltado uma verdadeira política de reabilitação urbana e respectiva dotação orçamental, para tornar os centros das cidades mais habitáveis”. Também “têm faltado planos de investimento por parte das autarquias, representando a reabilitação apenas 7,4% do mercado da construção”. Abaixo dos nossos vizinhos espanhóis que acordaram mais cedo para o problema: “Espanha tem seguido ambiciosos planos de investimento a nível nacional, regional e local, o que contribuiu para que a reabilitação e manutenção represente já cerca de 24% do mercado e se aproxime gradualmente da média europeia, que é de 36%.” Para engordar os números da reabilitação, o mote tem que vir do Governo, defende: “Quem conhece o estado de degradação do património edificado sabe que só com incentivos fortes que reforcem a atractividade deste mercado e medidas de desburocratização que garantam a célere aprovação dos projectos se produzirão os efeitos desejados. É fundamental promover incentivos mais eficazes e rever o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) já que a revisão da Lei das Rendas foi um fracasso e revelou-se incapaz de cumprir os seus grandes objectivos: dinamizar a reabilitação urbana e fomentar a criação de um mercado de arrendamento.”
Jorge Guibarra, responsável pelo departamento de Promoção e Reabilitação Urbana da consultora Cushman & Wakefield, concorda: “A Lei das Rendas foi uma oportunidade perdida no entender de muitos promotore. Na realidade foram poucos os casos em que as rendas foram actualizadas e poucos os proprietários que avançaram com obras de reabilitação à custa da lei. Seria aconselhável juntar à mesma mesa todos os intervenientes neste processo e acordar a melhor forma de solucionar o problema do arrendamento.”
O presidente da AICCOPN também considera “essencial rever o NRAU de modo a permitir resolver o problema da actualização da renda dos 390 mil contratos antigos, a criação de tribunais especializados para a rápida resolução de conflitos, a atribuição de subsídio social aos arrendatários com baixos recursos, que só agora são anunciados e a efectiva liberalização o mercado de arrendamento”. Por outro lado, acrescenta, “é necessário repensar a tributação deste tipo de rendimentos, porque a aplicação do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) poderá atingir os 42%, o que é excessivamente penalizante”.
João Andrade, consultor da Aguirre Newman, realça ainda que “apesar de muitos prédios estarem necessitados de obras, são poucos os que estão à venda para que os promotores possam colocar mãos à obra”. Isto porque “por vezes estão parcialmente ocupados por inquilinos que pagam rendas muito baixas e que se recusam a sair”. Outro entrave à dinamização da reabilitação urbana é a morosidade do licenciamento, aponta. “Os fundos de reabilitação urbana obrigam a que obra se concretize num determinado período e os atrasos no licenciamento impedem por vezes que se cumpra esse requisito”, observa o consultor.
Esta burocracia pode afastar investidores, alerta Jorge Guibarra: “Alguns promotores espanhóis queixam-se da burocratização do processo de licenciamento de obras de reabilitação em Portugal.” O consultor da Cushman conta que muitos proprietários gostariam de reabilitar os seus prédios, mas esperam anos pelo licenciamento. O arrastamento dos processos faz com que se torne mais atractivo construir de novo, diz: “Enquanto houver terrenos para nova construção nas cidades, os promotores vão optar por essa via. Se passar a haver menos licenças para nova construção, talvez a reabilitação acelere.”
Casos há em que os proprietários se recusam a reabilitar e nessa altura, cabe à câmara e às Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU) intervir. Joaquim Branco, presidente da SRU Porto Vivo (ver caixa), avança que desde 2004, altura em que entraram em acção, “já foram gastos cerca de 10 milhões de euros em expropriações, mas sempre com parceiros privados a aderir aos projectos e a cobrir esses custos”. A estratégia da Porto Vivo passa por reabilitar quarteirões, pelo que os proprietários de prédios degradados são obrigados a reabilitar, explica Joaquim Branco: “Quando os proprietários não avançam para a reabilitação, expropriamos e as obras avançam independentemente da decisão sobre o valor a pagar ao proprietário pelo imóvel. Decisão que muitas vezes só é alcançada em tribunal.” O administrador da Porto Vivo reconhece que “a intervenção em centros históricos é difícil porque mexe com património histórico, classificado”. Se “na Baixa do Porto, a maioria dos proprietários são institucionais”, o que facilita o processo, “na zona histórica há muitos particulares, com muitos herdeiros que não se entendem”.
Por outro lado há factores que podem contribuir para dinamizar a reabilitação urbana, como a lei da Eficiência Energética do Edifícios. Para a Porto Vivo, “a eficiência energética é uma prioridade”, frisa Joaquim Branco, adiantando que enquanto membros fundadores da Agência de Energia do Porto “estão a estudar com a Universidade do Porto que tipo de materiais podem ser aplicados no centro histórico de modo a cumprir os requisitos de eficiência energética, sem descaracterizar a construção”. António Manzoni assinala ainda que o CO2 também pode acelerar a reabilitação, já que “cerca de 40% das emissões de CO2 europeias derivam do parque habitacional, o que faz dos edifícios um forte poluidor”.
O director do departamento de economia da ANEOP defende que “acontecimentos como os Jogos Olímpicos (veja-se o caso de Barcelona), o Porto 2001, ou a Expo 2008 funcionam como alavancas para a valorização das cidades e o mesmo acontece com equipamentos como o Museu Guggenheim, em Bilbau, ou a Casa da Música, no Porto”.
António Manzoni considera que “as cidades têm que ser qualificadas para convencer os promotores a investir na reabilitação e os habitantes a regressar aos centros das cidades”. O economista nota que “Londres soube bem responder à necessidade de dinamizar o centro da cidade e Barcelona também fez isso muito bem”. Se “no Chiado ou na Lapa reabilitar pode ser lucrativo, porque são zonas valorizadas e os preços dos imóveis reabilitados cobrem os custos”, o mesmo não acontece com outras zonas. “O problema da reabilitação consiste em saber como intervir em zonas onde o mercado não funciona e isso é muito difícil de fazer em alturas de crise porque implica a valorização da área através de infra-estruturas e equipamentos”, diz.
Todos concordam que a reabilitação é uma questão complexa para a qual não basta canalizar dinheiro. Daí que as SRU criadas pelas autarquias possam ter um papel determinante na promoção deste mercado. João Andrade, da Aguirre Newman, considera que “as SRU são tentativas honestas de dinamizar o mercado de reabilitação, pelo menos ao nível conceptual”, mas “em termos práticos, no caso de Lisboa, o seu trabalho é pouco visível”. Já “a SRU do Porto parece ser mais dinâmica”. Jorge Guibarra, da Cushman, corrobora: “Em Lisboa não se sente qualquer resultado do trabalho das SRU. A Porto Vivo parece-me ser um organismo mais activo. As pessoas com quem falo estão satisfeitas.”
O presidente da ACCOPN advoga que “as SRU podem ser importantes instrumentos com vista à criação de uma nova dinâmica de investimento nos centros urbanos”. Porém, “ainda faltam planos de acção e de investimento por parte das autarquias, que se articulem com os investimentos a cargo do poder central”. De destacar “a construção do Metro do Porto e a expansão do de Lisboa que criaram valor nos centros históricos, porque facilitaram a mobilidade e a acessibilidade”.
Quanto à capacidade empresarial para responder aos desafios da reabilitação, Reis Campos não tem dúvidas: “As empresas portuguesas já realizaram obras de reabilitação e manutenção em vários tipos de edifícios, património histórico e cultural, e possuem capital de conhecimento e competência para aproveitar as oportunidades. Há empresas habilitadas e especializadas na execução de obras de reabilitação urbana em todo o país. O problema é que o mercado de reabilitação urbana tem estado quase estagnado, pelo que é necessário um ambicioso programa de reabilitação do património habitacional e histórico, para impulsionar o sector da construção e recuperar algumas das zonas mais nobres das nossas urbes.”
A reabilitação pode também catalizar a inovação, na medida em que exige diferentes materiais, salienta: “As intervenções sobre o património edificado são muito específicas e complexas. Os materiais e tecnologias têm acompanhado a evolução do mercado de reabilitação com soluções adequadas em termos de durabilidade e qualidade. Existe o desafio de continuar a qualificar e a formar mão-de-obra especializada para responder às necessidades.” O presidente da associação que representa as indústrias da construção remata: “Trata-se de um mercado com um grande potencial para o sector em Portugal. É um mercado que, sem contar com as intervenções nas zonas envolventes e em infra-estruturas, estimamos num montante superior a 28 mil milhões de euros.”

CAIXAS:

“O Porto será completamente diferente dentro de 10 anos”, garante administrador da Porto Vivo
O quarteirão das Cardosas, localizado mesmo no coração da cidade do Porto “não terá mais do que 10 habitantes”, observa Joaquim Branco, presidente da Comissão Executiva da Sociedade de Reabilitação Urbana Porto Vivo. Este quarteirão espelha a desertificação gradual do centro do Porto. O quarteirão das Cardosas será alvo de obras de requalificação no âmbito do programa iniciado pela Porto Vivo em 2004. O organismo identificou uma zona de intervenção prioritária, onde existem cerca de 18 mil edifícios. Desses, 30% foram construídos antes de 1919, outros 30% antes de 1945. A progressiva degradação destes prédios aliada às dificuldades de mobilidade e de estacionamento no centro da cidade, bem como à escassez de infra-estruturas sociais afugentou os habitantes. Em 40 anos o Porto ficou com metade da população. Só nos últimos 20 a cidade perdeu 50 mil habitantes.
Este cenário obriga a mais do que reabilitar edifícios, salienta Joaquim Branco: “O Porto teve um declínio grande e concluiu-se que era preciso mudar de modelo. Reabilitação urbana não é restaurar edifícios. Isso não basta. O importante é atrair a população e fixá-la. Tem que haver uma componente sistémica e um processo de credibilização junto do proprietário e do investidor. Temos que convencê-los de que vale a pena investir no centro do Porto. Logo há que criar condições de mobilidade e de estacionamento, reabilitar o comércio e os equipamentos sociais.”
As pessoas que ainda moram no centro são as mais velhas e com baixo poder de compra. A Porto Vivo quer reverter esta situação: “Temos 60 mil estudantes universitários no Porto e vamos criar oportunidades de emprego para os fixar e colocar a render os seus conhecimentos.” O isco reside em instalar residências universitárias na zona histórica e indústrias criativas, através da criação de ateliers para jovens, em parceria com Serralves e com a Casa da Música. Trata-se de aproveitar uma tendência que já se verifica junto ao Mercado Ferreira Borges, onde se alojaram várias lojas de comércio alternativo. A Porto Vivo quer também elevar o poder de compra dos habitantes do centro da cidade para a revitalizar economia local. Joaquim Branco assinala que “o turismo está a crescer imenso, graças às companhias aéreas low-cost que voam em grande número para o Porto”. Daí que seja necessário dinamizar o centro. “Quando começámos era difícil convencer alguém a instalar um hotel na Baixa”, recorda. Agora chovem propostas e já estão previstos hotéis de charme, de luxo e low-cost. “Todos a instalar em edifícios reabilitados”, garante Joaquim Campos.
A Porto Vivo vai candidatar-se a apoios do QREN para habitação social, realojando assim em melhores condições os que já vivem na zona a reabilitar. No que toca ao financiamento, a SRU dispõe ainda de um crédito de 140 milhões de euros do Banco Europeu de Investimento. Joaquim Branco diz que não deverá ser necessário usá-lo, já que estão “a trabalhar para o prejuízo zero”. A reabilitação está a ser feita em parceria com privados, através de concurso, e a adesão tem sido enorme: “Tem havido muito interesse por parte das empresas portuguesas e estrangeiras, nomeadamente imobiliárias da Galiza e de Madrid”.
A queda da nova construção tende a equilibrar-se através da reabilitação. Joaquim Branco recorda que o ritmo de nova construção no Porto rondava, no ano 2000, os 200 mil metros quadrados. Com o abrandamento do sector, a nova construção caiu para metade. Os níveis de reabilitação em 2000 eram baixos, mas o plano da SRU promete alterar o quadro: “Traçámos um plano a seis anos, o que se traduz num milhão de metros quadrados de obras de reabilitação a lançar. Vamos conseguir. Queremos reabilitar cerca de 100 mil metros quadrados por ano, o que atira a reabilitação para uma média muito superior à europeia.”
O primeiro quarteirão a sofrer intervenção foi o do Auditório Carlos Alberto, cujas obras deverão estar prontas até ao fim do ano”, assegura Joaquim Branco. A zona da Praça de Lisboa, que prevê sete mil metros quadrados de área comercial, entra em obras ainda este ano. O mercado do Bolhão aguarda parecer do IPPAR para iniciar a requalificação. “Estão em curso obras em cerca de 100 mil metros quadrados”, informa, acrescentando que “já há habitantes garantidos para as casas restauradas”. Joaquim Branco sublinha que “a procura é enorme” e que “o problema é a falta de oferta”. O presidente executivo da SRU não tem dúvidas de que “o Porto será completamente diferente dentro de 10 anos” porque “ao reabilitar áreas inteiras, fica assegurado que quem vai viver no centro terá condições”.
A Porto Vivo quer desmistificar a ideia de que reabilitar é mais caro do que construir de raiz, informa Joaquim Branco: “Não há como reabilitar sem captar a confiança dos investidores e dos proprietários por isso estamos a dar condições vantajosas para promover a reabilitação. O IVA é de 5% na Baixa do Porto. A taxa de licenciamento é reduzida. A aprovação do projecto é mais simples e as construtoras que investirem em reabilitação ganham créditos para efectuar nova construção. Os fundos de reabilitação urbana não pagam IRC, logo os lucros não são taxados. Quem adquirir casa na zona histórica do Porto não paga EMI nem IMT porque os edifícios são classificados.” O administrador deixa claro que ”o objectivo não é substituir o mercado, mas regulá-lo e deixá-lo funcionar”. Quanto ao sucesso da estratégia, está optimista: “A qualidade de vida no centro do Porto será muito superior. Trata-se de viver em edifícios diferenciados, com um potencial de valorização enorme.”


Barcelona: nova Cuitat Vella
No final da década de 80, Barcelona acordava para o problema: era preciso restaurar a Cuitat Vella, o famoso centro histórico. Estabeleceu-se em 1987 o Plano de Reabilitação Integral que envolvia intervenções ao nível do urbanismo, da habitação, da segurança, do bem-estar social, da mobilidade, da acessibilidade, dos equipamentos e infraestruturas e da revitalização económica.
A Ciutat Vella foi durante séculos o centro político, industrial, comercial e financeiro de Barcelona. A zona central da capital da Catalunha foi perdendo protagonismo, degradando-se progressivamente. A população envelheceu e diminuiu. Na teia urbanística da zona, de origem medieval, 70% das casas foram construídas antes de 1900. Para intervir neste cenário é criada em 1987 uma sociedade anónima municipal, com o objectivo de promover e requalificar a Ciutat Vella, a Procivesa. O organismo tratou de compatibilizar as zonas residenciais com o comércio, a hotelaria, o turismo, os serviços e as actividades de ócio e cultura e assim travar a fuga da população e atrair novos habitantes. Só entre 1987 e 1994 foram gastos 516 milhões de euros. A fatia correspondente à habitação foi de 97 milhões de euros. Investiram-se 76 milhões de euros em infraestructuras, 21 milhões em estacionamento, 108 milhões em espaços públicos, 95 milhões em equipamentos para a cidade, 58 milhões na universidade e 59 milhões em equipamentos de bairro. A reabilitação foi feita de modo a realojar em melhores condições as famílias que viviam na zona e a criar espaço para nova habitação de iniciativa privada ou pública. Houve igualmente a preocupação de requalificar a zona marítima, privilegiando a componente pedonal, e de desenvolver parques e zonas verdes, tendo sido plantadas mais de 4000 árvores. Foram criados centros cívicos, lares de idosos e novos complexos desportivos. A actividade económica do núcleo histórico da cidade, alicerçada no turismo, foi revitalizada. A rede de transportes públicos foi reforçada e viabilizaram-se os corredores para bicicleta. Por outro lado regulamentou-se o acesso condicionado de veículos a determinadas zonas da cidade.

Madrid reabilita, em média, sete mil casas por ano
Na capital de Espanha vivem cerca de três milhões de pessoas, número que se tem mantido estável nos últimos anos, muito graças aos esforços de reabilitação urbana. “Acreditamos que a reabilitação está a ajudar a trazer para a cidade habitantes mais jovens”, nota Juan José de la Gracia, coordenador do departamento de habitação do Ayuntamiento (câmara) de Madrid. O restauro do edificado na zona central da cidade começou a notar-se a partir de 1993 e tem vindo a crescer. De acordo com Jose de la Gracia, “a média de casas reabilitadas por ano é de sete mil”.
O centro da cidade está praticamente todo reabilitado, mas o processo segue em bairros ainda degradados como o de Lavapiés, muito habitado por imigrantes. “A ideia é integrá-los e melhorar as suas condições de habitabilidade”, assinala José de la Gracia. Subsiste igualmente a preocupação em elevar a qualidade de vida na zona mais central da capital, sublinha: “No centro há poço espaço e estamos a tentar torná-lo mais livre, criando mais espaços verdes e praças. Condições indispensáveis para os jovens que se fixarem no centro e assim se divertirem com os seus filhos.”
José de la Gracia indica que para o período de 2007 até 2011 foi estipulado um orçamento é de 1796 milhões de euros a investir em reabilitação. Em 2007 foram gastos 420 milhões de euros e em 2008 deverão chegar aos 440 milhões de euros.
Uma vez reabilitados os edifícios, cabe à autarquia a gestão imobiliária, explica José de la Gracia: “Temos um registo com as pessoas que precisam de casa e sorteámos as que são para alugar. Quanto às que são para vender, fazemos uma selecção dos compradores em função de vários itens. O mais pontuado tem direito de preferência.”
Em Madrid, o preço do metro quadrado restaurado é igual ao do novo, variando apenas em função da zona, diz José de la Gracia, adiantando que “actualmente ronda os 2400 euros por metro quadrado”, já que “sofreu um grande aumento, depois de quatro anos nos 1850 euros”.
O responsável municipal pela habitação informa que a reabilitação é fortemente subsidiada em Espanha, quer pela administração central, quer pelas autonomias, quer pela autarquia. No caso de Madrid, os subsídios por casa podem chegar aos 21 mil euros. “Os incentivos são dados aos proprietários e em breve poderão também ser dados apoios às construtoras e imobiliárias, uma vez que o governo está a preparar o enquadramento legal para que tal possa acontecer”, diz José de la Gracia, acrescentando que “a reabilitação começa a ser um mercado forte para as construtoras”. A partir de uma certa idade os edifícios em Espanha sofrem uma inspecção obrigatória, pelo que há pressão para que a reabilitação aconteça.


Reabilitação tarda em descolar em Lisboa
Praça da Figueira e Rossio são duas das mais emblemáticas praças lisboetas, rodeadas por prédios pombalinos (construídos depois do terramoto que destruiu o centro da cidade de Lisboa em 1755). Hoje são edifícios degradados e quase desabitadoss. Apenas no rés-do-chão permanecem como inquilinos lojas de comércio tradicional, na maioria dos casos, vendendo produtos com pouco valor acrescentado.
Há cinco anos a sociedade hoteleira Seoane & Vidal adquiriu o quarteirão que separa as duas praças com o objectivo de requalificar os edifícios e aí alojar um hotel de cinco estrelas, mantendo todas as características históricas da construção, uma vez que são prédios classificados. O projecto está parado à espera do licenciamento camarário, explica José Luís Seoane, administrador da empresa: “Adquirimos o quarteirão e submetemos logo o projecto à apreciação da câmara. Andámos há cinco anos em reuniões para tentar obter o licenciamento. Cai a câmara, muda a SRU e nada porque a câmara de Lisboa não funciona.” O empresário conclui que as dificuldades de licenciamento desencorajam os promotores: “O que está a acontecer com o nosso projecto, acontece com outros. Desta forma não me espanta que a câmara consiga correr com os empresários da cidade”.
À burocracia inerente ao processo de licenciamento acrescem as dificuldades de negociação com os inquilinos, nomeadamente as lojas, habituadas a rendas muito baixas. José Luís Seoane argumenta que a sua empresa poderia fazer mais pela requalificação em Portugal, se os processos fossem mais céleres.
O pelouro do urbanismo da Câmara de Lisboa diz estar empenhado em dinamizar o processo. O arquitecto Jorge Catarino, do gabinete autárquico de urbanismo, conta que entre as áreas prioritárias de intervenção estão as zonas históricas, com destaque para a Baixa-Chiado, a zona ribeirinha, o Eixo Central (Av. da Liberdade, Fontes Pereira de Melo, República e Campo Grande) e o eixo da Av. Almirante Reis. A câmara contabiliza 3740 fogos particulares devolutos e candidatos a devolutos e 320 edifícios municipais a necessitar de intervenção.
A ideia é coordenar várias vertentes carenciadas, salienta Jorge Catarino: “A reabilitação tem de ser integrada abrangendo quer a intervenção em edifícios e espaço público, quer a intervenção social, para evitar guetos ou usos exclusivos.” A habitação social também não será descurada: “Em muitos casos podem equiparar-se as intervenções municipais nos bairros históricos a projectos de habitação de cariz social, atendendo às áreas em causa e à população alojada.”
A câmara criou três SRU: a Ocidental, a Oriental e a Baixa Pombalina. “A procura de um relacionamento e licenciamento de proximidade ajuda a que as diferentes Unidades de Projecto tenham um conhecimento muito correcto da realidade física e social das suas áreas de intervenção”, justifica o arquitecto.
O financiamento será em muitos casos a fundo perdido pela Autarquia e pelo Estado, através de diversos programas comparticipados (RECRIA, etc). A câmara deseja igualmente despertar o interesse dos privados, assinala Jorge Catarino: “A prioridade de intervir nos edifícios municipais e espaços públicos, nas áreas históricas, cria sinergias e condições de mais valias urbanas que estimulam a intervenção particular e a procura de espaços de habitação ou terciário.” O arquitecto acrescenta que está a ser estudado um empréstimo bancário com o IHRU/BEI, cujo montante a somar à capacidade financeira da câmara ditará as metas de reabilitação para 2010. A câmara quer “a curto/médio prazo concluir todas as obras de reabilitação (coercivas ou não) que a Câmara já iniciou e que, por razões diversas, estão praticamente todas paradas”. Espera-se que com o arranque das obras e com o novo licenciamento “a intervenção na reabilitação por parte dos privados seja uma prioridade real”, sendo “já visível esse interesse, nomeadamente na área da Baixa onde o número de pedidos de licenciamento é bastante elevado”.

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