martes, 13 de enero de 2009

Na agenda delas...

No jornalismo não costumam ser os acontecimentos do dia-a-dia, os que são apenas notícia por um dia, que mais me atraem. Interessam-me sobretudo as historinhas, os detalhes, o que vale uma conversa ou um olhar mais demorado... Interessa-me ir à procura em vez de ficar refém da "agenda"...
A agenda delas liberta essa "agenda" diária, inspira-se nela, mas propõe outros ângulos e muitas vezes ousa incluir na agenda o que dificilmente nela caberia, nos moldes mais tradicionais. É uma alternativa poética que eu gosto de espreitar...
Desta vez a Mab e a )Meg abriram-me a porta e convidaram-me a entrar... É a minha estreia nas foto reportagens (leia-se tentativa de,): impressões da minha passagem por Angola em Outubro de 2006. Estive em Luanda e no Mussulo uma semana... Pouco, muito pouco...
As fotografias foram captadas no Mussulo... Sobre ele escrevi também um artigo que foi publicado no OJE e que recupero aqui.

Luanda espreguiça-se no Mussulo

A longa língua de areia dourada que rasga o mar a sul de Luanda serve de retiro aos luandenses e anuncia-se como um dos lugares de culto do mapa turístico angolano.

Respira-se mais devagar assim que embarcamos no cais de Luanda. A mobilidade caótica da capital angolana, cede lugar aos coqueiros que desvendamos ao longe, a acenar-nos do Mussulo. A viagem de barco para a península que abraça Luanda não dura mais do que um quarto de hora. O suficiente para relaxar com a cumplicidade dos raios de sol, quase todo o dia perpendiculares em Angola.
São cada vez mais os que não resistem a uns dias de ócio no Mussulo. Crescem os complexos turísticos para responder ao assédio de quem procura a península para intervalar os negócios em Luanda, ou mesmo dos turistas seduzidos pelo generoso areal que borda o arvoredo aparentemente selvagem do Mussulo. O mesmo areal que amanhece forrado de milhares de corpos adormecidos, em rendição, no primeiro dia de cada ano. “Ocupado” é carimbo garantido em todos os bangalôs e quartos do Mussulo nas festas de Natal e de fim-de-ano. São picos de afluência num Verão, que em Angola, se confunde com as restantes estações do ano.
O clima é apenas um dos argumentos que convidam a uma visita ao Mussulo. As águas calmas que banham a parte norte da península, onde se encontram os complexos turísticos são cenário de eleição para vários desportos náuticos. Para os menos dinâmicos, a alternativa pode ser saborear um gin tónico (receita inimiga do paludismo) enquanto preguiça languidamente numa das camas de madeira espalhadas pelo areal.
Manter a mesma passividade revela-se tarefa difícil à medida que a kizomba dita o ritmo dos restaurantes ao ar livre, assim que a noite chega. Na maioria das vezes a música é tocada ao vivo por bandas angolanas, que transformam o recinto numa pista de dança.
Tudo isto se passa na costa Norte da península, a que observa Luanda. Na costa Sul, voltada para o Atlântico, as praias permanecem virgens e deverão assim continuar, já que está proibida a construção pelo governo angolano. Também por isso é obrigatório um passeio por este lado mais selvagem da península. Recomenda-se um final de tarde. Dada a proximidade com o Equador, podemos ver o pôr-do-Sol como se estivesse em movimento acelerado. É um instante. Um instante inesquecível.

Caixas:

Entre o Mussulo e a cozinha da Selecção de Angola

Um dos chefes de cerimónia que encontramos no Mussulo é o responsável pelas ementas da Selecção angolana de futebol. Manuel Fernando Peixoto, um português que desembarcou em Angola aos 11 anos, não só responde pela dieta dos Palancas Negras como também pela dos clientes do complexo turístico Sonho Dourado, que explora há cerca de um ano.
Foi em Angola que pôs pela primeira vez a mão na massa, que é como quem diz, foi onde se estreou como cozinheiro. Chegou a trabalhar no Clube Naval, uma das casas mais conceituadas em Luanda, no início da década de 70. Não escapou à retirada portuguesa e aproveitou o regresso às origens para aperfeiçoar o engenho num curso na Escola de Turismo do Estoril. “O que sei devo a professores como o mestre Silva e Maria de Lurdes Modesto”, sublinha Manuel Peixoto.
“O bichinho angolano” obrigou-o a voltar a Angola, de onde não tem vontade de sair. Trabalhou na Angotel (antiga empresa estatal que geria os hotéis) e um dia chegou à cozinha da Selecção de Angola, por acaso: “Fui como adepto da Selecção à Guiné Conacri, há 15 anos, ver um jogo de qualificação para a Taça Africana das Nações. Deram-nos comida estragada. Prontifiquei-me a cozinhar durante os três dias da estadia. A partir daí não quiseram outra coisa.” Assegura que a experiência tem sido muito gratificante. O ponto alto foi a surpreendente presença de Angola no último Mundial. O cozinheiro recorda o ambiente de camaradagem que se vive entre as diferentes equipas, destacando o convívio com a Selecção portuguesa.
Quando não está ao serviço da Selecção, Manuel Peixoto está ao leme do Sonho Dourado e do Arco Irís, o restaurante que detém na zona do embarcadouro, local onde se apanha o barco para o Mussulo. Na cozinha de Manuel Peixoto os pratos tradicionais angolanos, como a muamba, o kalulu e a quisaka rivalizam com o popular Bife à Pantera Negra, apadrinhado por Eusébio, lendário jogador da Selecção portuguesa de futebol da década de 60. “Trata-se de um bife regado com um molho especial”, limita-se a descrever o mestre Peixoto, escusando-se a desvendar o que torna “especial”. Menos discreto fica quando revela o seu calcanhar de Aquiles: “Nunca fui grande especialista a bater o funge (uma espécie de puré de farinha de milho que acompanha a moamba)”. Mais tarde descobrimos porquê? Ângelo, um dos cozinheiros do Sonho Dourado garante que “é preciso ser mesmo angolano para fazer bem o funge”. A cozinha do Sonho Dourado é exposta aos olhos dos clientes, pelo que não é difícil confirmar a sentença de Ângelo. A velocidade e intuição que a farinha exige, de modo a misturar-se correctamente com a água quente, não é desafio para qualquer um.
Entre as iguarias angolanas, Manuel Peixoto frisa a qualidade dos pratos de peixe, que tiram partido da fertilidade do mar de Angola: “O marisco é óptimo, o cherne, a garoupa, o pungo (corvina preta) e, de uma forma geral, todos os peixes grandes são excelentes no mar angolano. Quanto mais fresco melhor, por isso tenho pescadores que trabalham para mim. O peixe e marisco são conservados vivos em viveiros no mar.” O resultado transforma um simples camarão cozido num petisco divino. A provar e comprovar...

Soba, o senhor do Mussulo

Manuel Domingos não conheceu em 70 anos outra morada que não o Mussulo. Foi eleito Soba pelos habitantes da península, respeitando a tradição ancestral de atribuir o cargo de governante da ilha ao supostamente mais sábio e sensato dos seus habitantes. Sobrinho do anterior Soba, Manuel Domingos foi empossado em 2004. O actual Soba explica que o cargo deve ser exercido “por uma pessoa de idade avançada, conhecedor da história do Mussulo e capaz de passar a palavra às gerações mais jovens”. História que tem que focar a economia da península: “O Mussulo sempre foi uma terra de pescadores, de pesca artesanal com redes e linhas. Isto no tempo quente, porque no tempo frio pesca-se ao anzol na praia, já que o mar fica muito bravo.” Manuel Domingos, que sempre foi pescador, franze a testa enquanto nos diz que teme que esta pesca artesanal desapareça e com ela, a quantidade de peixe, incapaz de saciar uma procura mais industrial.
O cargo de Soba não é político. Cumpre uma tradição, mas nem por isso se circunscreve a um desempenho meramente folclórico. Manuel Domingos especifica que no Mussulo há umas 200 casas e cerca de três mil habitantes, de quem se sente porta-voz. Com orgulho, o Soba conta que das suas funções faz parte a de moderador de conflitos: “Quando há problemas familiares ou entre vizinhos não faz falta chamar a polícia. Quem resolve é o Soba. Todos respeitam o Soba e o que ele diz é lei.” Com um sorriso malicioso, ressalva que “os casos amorosos são os mais complicados de resolver”. Adivinha-se que o sentido de humor é um dos seus argumentos. Só se esquece dele quando fala, preocupado, da poluição que começa a ameaçar as cores do Mussulo. “A beleza natural é o ponto forte do Mussulo, mas é preciso que os turistas que o visitam saibam respeitar a Natureza”, avisa.

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