Admito que quando olhei para esta capa da Time condenei-a imediatamente e condenei o jogo que faz com este título. Condenei o "nós" que adoptaram os responsáveis editoriais da revista. Indiscutivelmente eu teria optado pela terceira pessoa.
Mas depois li o artigo disponível na edição online e lá vieram os cinzentos minar o meu julgamento a preto e branco...
É fácil a comparação com a edição da National Geographic que também colocou uma mulher menina afegã na capa. Duas mulheres num país onde ser mulher é um risco acrescentado à dificuldade que representa lá viver por estes e naqueles dias.
Aisha, a menina da Time, ficou neste estado, alegadamente, à custa do marido. Fugiu a tempo de garantir a sobrevivência. Diz a Time que Aisha foi recolhida por uma organização humanitária e será submetida a uma cirurgia reconstrutiva nos EUA. A revista pega na história de Aisha para questionar o que vai acontecer se os EUA retirarem as suas tropas do Afeganistão.
No site há também um vídeo da sessão de fotografias que permitiu chegar a esta capa. Considero demasiada a exposição que solicitaram à Aisha. Por outro lado foi precisamente o vídeo que me esclareceu. Estava a ser difícil não pensar no vampiresco desejo de vender à custa da polémica imediatista que uma imagem assim sugere...
É uma foto estudada e só possível com a cumplicidade da jovem. Eu não conheço Aisha, mas também é credível que ela queira expor-se ao mundo para que o mundo, ou alguém intervenha a favor dela e a favor dos direitos da mulher no Afeganistão. Se os EUA ficam ou não pode não ser a chave para que estes direitos sejam acautelados, mas o alheamento internacional não o é certamente.
Imagino que talvez tenham tido dúvidas os editores da Time, como confessaram ter tido os editores do primeiro jornal que publicou a foto do homem que caiu (forçou-se a cair) de uma das torres gémeas a 11 de Setembro de 2001... Há quem tente até hoje descobrir a identidade do homem e há até hoje famílias doridas que não perdoam os que publicaram a imagem. Mas a questão é que ela impede mais que qualquer outra que nos esqueçamos.
Esse é também o argumento em defesa do Museu que no Ground Zero irá garantir a memória daqui a 100 anos, quando os contemporâneos do 11/set já cá não estiverem...
E é também um pouco isso que me faz escrever aqui: questionar no futuro até que ponto eram a preto e branco as minhas certezas absolutas...
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