viernes, 15 de enero de 2016

Presentes do passado


A memória é truculenta: retém o que interessa e o que não interessa, mas também é capaz de deixar escapar coisas que gostaríamos de perpetuar.

Quando vejo uma exposição, assalta-me sempre alguma angústia que antecipa os detalhes que irei esquecer, contrariada. E se o filtro que baliza a memória me deixa lembrar que é sempre da esquerda que a luz espreita em todos os quadros de cenas domésticas de Vermeer que vi; do sobressalto que senti quando finalmente se agigantou o “David” do Miguel Ângelo, depois de uma obediente espera; da comoção inesperada que as esculturas de Rodin me causaram (foi o último museu que visitei em Paris e é dele que melhor me lembro); da sucessão de tapetes dos corredores do Vaticano, que vi a correr (literalmente) para conseguir chegar a tempo de babar a olhar para o teto da Sistina; que a impressão maior dos impressionistas é a intranquilidade latente de tudo o que posa para o pintor… mas esse filtro também me priva do muito que queria guardar.

Socorro-me com a escrita, domadora dos caprichos da memória.

Assim, depois de visitar no MNAA a “Colección Masaveu. Grandes Mestres da Pintura Espanhola Greco, Zurbarán, Goya, Sorolla”, registo:

José de Ribera atreveu-se a olhar para a vida como ela era: pintou o “Bêbedo” quando a maioria dos seus contemporâneos retratava santos de olhar suplicante em direção ao céu.

Os olhos de Cristo parecem cortados com espadas em “Jesus é despojado das suas vestes” de El Greco.

Que o melhor do Barroco está nos desenhos irrepreensíveis dos têxteis faustosos como o que cobre “Santa Catarina” de Zurbarán.

Que o meu avô iria apreciar as cenas pastoris de Pedro de Orrente.

Já eu fiquei particularmente encantada com as velas furiosas em contracena com a luz do Levante, nas marítimas de Sorolla, e com o protagonismo da música e da dança nas telas de Romero Torres.