miércoles, 29 de abril de 2009

Em pontas

Curioso como o tempo nos faz esquecer ao ponto de já nem percebermos o que antes nos fazia sofrer.
Ainda estremeço, mas agora com um sorriso, quando ouço a Marcha Radeski de Strauss.

Durante algum tempo tive pesadelos. Mais do que uma vez sonhei com sabrinas de fitas de cetim, com saltos e piruetas... Às tantas gritava, acordava, percebia que já nada disso fazia parte de mim e duvidava se algum dia voltaria a fazer. E não sei se gritava antes ou depois de o perceber.

Só fiz ballet durante um ano e foi um capricho, ou um gosto que começou a nascer nas páginas do livro da Anita, ou numa telenovela brasileira. Não me recordo bem... Carina de Limeira Brandão chamava-se a personagem: uma bailarina que deixara de o ser porque sofrera um acidente. Mas várias vezes dançou nessa novela. E já não sei se foi a magia das pontas, se a graça do tutu, ou o porte de princesa, ou os desenhos no ar quase em câmara lenta, mas essas imagens transformaram-se em desejo.
A minha primeira professora foi a Anita: imitava-a nas cinco posições ilustradas no meu livro preferido na altura. A palhaçada deve ter sido o suficiente para convencer os meus pais a matricularem-me na Parnaso (a arte pela arte!). Procurei com os meus dedos (foi mesmo através das páginas amarelas) o local onde queria aprender a suster-me na ponta dos pés.
Durante um ano vivi esse sonho cor-de-rosa (as meias e as sabrinas) e branco (fato de ballet). E nem a voz algo militar do Professor César, nem a exigência constante de disciplina e rigor ensombravam as tardes de terça, quinta e sábado. Sentia-me na ponta dos pés, mesmo sem nunca ter chegado a fazer pontas perfeitas!
Começávamos com exercícios de aquecimento na barra. Umas 30 meninas a ensaiar movimentos de cisne. Sim, naquela altura, já todas ambicionávamos ser cisnes! O cisne do lago!
Percebi que as cinco posições básicas não eram estanques como no livro. Deslizávamos da primeira para a segunda e depois para a terceira... A Anita não conseguiu ensinar-me isso! Nem os galopes do cavalo, nem as variantes em plié, nem o "parte e pouca" (deve ser outra coisa, mas recordo-me de ouvir o César chamar-lhe assim), que se treinava individualmente, primeiro, e depois com o par...
E recordo-me do êxtase dos ensaios da coreografia da Marcha Radeski, que apresentámos depois na festa de final de ano lectivo, no Auditório Carlos Alberto. A minha primeira vez em palco! Tinha nove anos e achava que o ballet era coisa séria, coisa para continuar...
Mas não foi porque no ano seguinte entrei para a escola Preparatória e o horário já não me permitia ir às aulas na Parnaso. Ir para outra escola era andar de cavalo para burro. Ficou combinado que adiaria o sonho até que fosse possível... Adiei para sempre...
Nas fotografias dos anos que se seguiram às aulas na Parnaso, os meus pés ainda posavam em primeira posição. Lembro-me das outras também sempre que escuto a marcha Radeski de Strauss. E acho que ainda conseguiria reproduzir os primeiros passos da coreografia...

PS: Imagino 40 anos na ponta dos pés da Maximova, a antiga prima-bailarina do teatro Bolshoi que morreu ontem...

1 comentario:

Fatima Pinto dijo...

Essa da primeira posiçao dos pés nas fotografias que se seguiram as aulas na Parnaso, é bem verdade. As fotos do meu casamento comprovam-no. Um beijinho.