Maradona reconhece que é um actor, paradoxalmente não porque finja, mas porque vive. Responde assim a Kusturika no documentário que este realizador sérvio fez sobre o jogador argentino, que é também um documentário sobre ele próprio e sobre o seu olhar, sobre o seu cinema... Uma crítica que li na altura em que saíu o documentário mal dizia disso mesmo, de haver demasiado Kusturika no documentário sobre Maradona. A mim, pelo contrário, agrada-me. Nessa presença e identificação está a justificação do documentário: Kusturika admira o que é admirável em Maradona, a sua capacidade de renascer, de acreditar, de fazer os outros acreditarem, o seu sentido de justiça (ainda que possamos não estar de acordo com os pesos que ele coloca na balança) e o facto de pôr o coração e o sonho antes da razão, o facto de lhe importar mais do que o dinheiro... Não há como mostrar estas características sem as admirar.
Maradona é o jogador que perdeu para a cocaína, mas é também o homem que optou pelo Boca em detrimento de uma proposta mais choruda do Riverplat, para cumprir um sonho, é o homem que se recusou a conhecer Carlos de Inglaterra porque não tem memória curta, que marcou um golo (validado) com a mão à mesma Inglaterra no mundial de 86, no México, e chamou-lhe justiça (la mano de Dio), para vingar as Malvinas, que a Argentina perdeu para Inglaterra numa guerra quatro anos antes.
Por ter perdido a guerra, caíu a ditadura na Argentina e restaurou-se a democracia, mas isso parece não importar a Maradona, que se diz capaz de morrer por Fidel e revela ancorar nos escritos de Che Guevara as suas convicções políticas. Aqui também se deduz a cumplicidade existente entre o realizador e o jogador. E é aqui que eu deixo de entender a América do Sul, esta América do Sul que venera o comunismo... talvez quando a visitar perceba mesmo sem concordar... Talvez se eu fora Maradona
É estranho que da primeira vez que aqui coloque um trailer de um filme de Emir Kusturika seja sobre Maradona. É estranho porque deveria ser antes sobre o Underground, que é um dos filmes de que mais gostei na vida (e o na vida aqui fica bem) e o meu preferido deste realizador.
Mas foi ontem que vi o documentário e apeteceu-me este assunto de paleio, antes que me esqueça do que vi e do que senti...

E na RTP 2 têm passado episódios de um documentário sobre a segunda guerra mundial, onde se contam os dois lados da história, onde se contextualizam, como eu ainda não tinha visto, os dois lados da história. Não se pretende desculpar nada nem ninguém, mas, parece-me, que as coisas são contadas com mais distanciamento, o distanciamento que só o passar do tempo autoriza...