martes, 27 de julio de 2010

Sinais de fogo

Cinzas. Era a isso que cheirava com e mesmo sem a janela aberta. As cinzas que pareciam mirar-se ao espelho, tal era a cor do céu. E era também de cinzas que falavam os noticiários de meia em meia hora: 12 incêndios activos e 600 bombeiros a tentar travá-los.
The same old story.
Há muitos anos, na saudosa Grande Reportagem, já se denunciava o como e o porquê. Fazia-se o diagnóstico e prescrevia-se a receita de cura. Diagnóstico várias vezes repetido. Receita parcialmente adoptada. Como os antibióticos que não se tomam até ao fim...
A reflorestação continua a primar pela desorganização. Aquela imagem das florestas alinhadas quase geometricamente, de solos arejados, não nos pertence ainda, o que facilita a vida dos que as querem ver a arder.

Remoía isto tudo enquanto seguíamos o caminho que apelidámos de "o caminho das cegonhas". E lá estavam elas, empoleiradas nos ninhos que montaram nas "pontes" metálicas que sustêm as tabuletas azuis de sinalização das estradas, como estão sempre, aparentemente indiferentes ao tráfego, que, diga-se, é reduzido. Ainda não se paga neste troço de auto-estrata que compete com a A1, mas que quase toda a gente, generosamente, faz questão de ignorar, contribuindo para o sossego dos que por lá passam... Na volta foi construída em abono do aumento da taxa de natalidade das cegonhas!?

De repente anoitecia e detrás de um arvoredo ainda esquecido, mostra-se-nos a Lua Cheia. Mais alaranjada do que dourada, atrevida, num céu cinzento...
A máquina fotográfica estava na mala do carro e fingi que não sabia que fotografar a Lua Cheia, mesmo com uma boa objectiva, é quase sempre registar uma bolinha minúscula, infiel à original. Saquei do telemóvel e Tu, mesmo sem eu te pedir, cúmplice da minha ilusão, chegas-nos para a faixa da esquerda, favorecendo o meu ângulo, como que a dizer-me "agora, dispara agora!"

Destes sinais eu gosto.

O verbo entender

Voltando aos livros e aos autocarros, um miradouro que me apraz.

A conversa que escutei hoje, começou para mim com o nome António Quadros. Olhei para as dialogantes, duas senhoras autorizadas pelas rugas e por um entusiasmo que contagiava.
Apreciavam o Quadros e isso interessou-me. Confesso-me mais conhecedora da descendente, a Rita Ferro, que visito regularmente neste formato.
As senhoras, às tantas, já estavam a falar do "Fausto" de Goethe, que uma delas tentava ler, ainda que lhe estivesse "a custar" porque é "como os Lusíadas", ou seja "muitas vezes a gente não sabe do que está ele a falar". E assim concluía a senhora: "Muitas pessoas não gostam dos Lusíadas porque não entendem o que estão a ler".
Esta senhora é das que persiste, mesmo sem entender tudo, entende que alguma coisa vai apanhar e gosta. Gosta sobretudo de tentar.
E assim diagnostica-se o que falha no ensino da língua portuguesa: é que muitas vezes os professores (o sistema) esquecem que ensinar a entender é mais importante do que cumprir o programa. E ensinar a entender dá trabalho, já que obriga a uma cultura, que muitos professores não possuem, e a uma pesquisa, que muitos professores evitam, instalados que estão nas regalias e obcecados que se tornaram, à força de estatísticas...

Destruir antes de ler

Nada nos defende mais do que o conhecimento e nada nos oprime mais do que a ignorância. A muralha que nos impede de chegar a saber não nos protege, encurrala-nos.

Isto porque me lembrei de que o imperador chinês que construiu a Grande Muralha da China foi o mesmo que queimou todos os livros que o precederam. Isto porque este post do Pedro Rolo Duarte me lembrou que séculos depois de Shih Huang Ti, séculos depois da Inquisição, décadas depois da Ditadura Militar em Portugal, ainda se queimam literal e metaforicamente livros. É a censura do mercado, dizem.

Dizem também que há uma lei que impede de os oferecer (a partir de um determinado número). Dizem que todos os anos há milhares de livros que são encaixotados, destruídos antes de alguém os ler...
Distribuí-los por escolas, bibliotecas, prisões, colectividades, pelos PALOPs, ... deve estar fora de questão! Já não é a primeira vez que leio sobre essa possibilidade, mas não li ainda sobre a sua concretização.

Há tempos, o dono da Lello (a livraria que nos corta a respiração) me falava dessa tirania da montra e da prateleira. A que exclui indiferenciadamente nomes como o de Ramalho de Ortigão ou o de Fernando Namora...

Ideia de negócio: curiosamente ainda não vi nenhuma livraria nos Mega outlets que visitei. Porquê?

lunes, 12 de julio de 2010

Coração 1 - Razão 0


Com um beijo, quase todos nos rendemos a Casillas... Falta de profissionalismo? Nada disso, que não era hora para isso... O descontrolo, assim, também é prova de grandeza, na mesma medida em que o controlo, nesta situação, também o seria, por muito paradoxal que possa soar esta argumentação.
Quem nunca cedeu ao coração, que atire a primeira pedra... Ou ampute a que no peito responde em lugar do coração.
Um beijo assim não quer saber da razão para nada, porque a paixão não lhe obedece.
O vídeo correu os jornais de todo o mundo, os blogues, as redes sociais... e até sofrerá com toda essa erosão, mas para alguns (para mim, seguramente) é o que fica deste Mundial, juntamente com as palavras (ditadas pelo mesmo órgão vital) do treinador do Uruguay, depois de derrotar a Argentina: "Não jogámos bem, mas parece que há qualquer coisa que nos está a empurrar. Não sei o que será, deve ser a força destes rapazes."

Que força é essa?

Sonho de uma noite de Verão

O ponto de encontro era o de tantas outras vezes, junto ao Pessoa. O objectivo era sentarmo-nos junto ao outro Pessoa, o do livro, no Largo de São Carlos, e assitir sem rede ao que o Coro do São Carlos e a Orquestra Sinfónica de Lisboa nos quisessem oferecer. Oferecer literalmente, porque as noites do Festival ao Largo são gratuitas...
Foi a primeira vez em que cheguei a um espectáculo, percebi que já não havia lugar para mim, nem sentada, nem de pé, e ainda que triste, fiquei contente! Da rua por onde o eléctrico passa, sobranceira ao largo e ao teatro São Carlos, um muro de pessoas, só deixava ver nesgas da praça. Que espectáculo! Fico contente quando alguém (a organização do festival) consegue derrotar os preconceitos e os velhos do Restelo, que dizem que não há público para música clássica e canto lírico... Estavam lá (tem sido assim todos os dias) centenas de pessoas a atestar o contrário num frenesim que dava gosto! A orquestra a céu aberto, qual anfiteatro grego, o côro na varanda do São Carlos, demolidor. De estremecer!
Perante a impossibilidade de ver, contentámo-nos em escutar, mesmo ali ao lado, na esplanada do Café Haus, na companhia de um branco austríaco!

Imagino o turista ou o lisboeta mais desavisado que tenha passado pela rua de cima, de eléctrico! E também imagino o público aqui e ali distraídos pelo eléctrico num cenário improvável! Momentos mágicos! O nome do espectáculo não poderia ser mais apropriado!

viernes, 9 de julio de 2010

Os sonhos não se tabelam, nem carecem de hierarquia

... fechar os olhos e cantar com a alma os meus poemas preferidos/ restituir a dignidade do que antes era um edifício em ruínas e depois de outro e de outro.../ dançar um tango numa rua de Buenos Aires, ou talvez do Uruguay, onde ele nasceu/ ver-te abrir os olhos pela primeira vez e dizer-te que havia um mundo à tua espera/ ficar de olhos colados ao céu nocturno do deserto/ ver o mundo como se não estivesse de passagem/ ver-te sorrir a ti e a ti e a ti e também a ti...

“Hoje, se sentir medo, fique antes inspirada, porque a impossibilidade é altamente inspiradora”.

jueves, 8 de julio de 2010